quinta-feira, 21 de novembro de 2013



Os advérbios de modo são as palavras mais racionais que existem, isto porque adicionam um pouco de "mente" a tudo. Funcionam quase como o sal ou a pimenta que nos permitem temperar ou apimentar os nossos pratos preferidos ao próprio gosto.

Quando ando pelas ruas de Lisboa sinto-me um advérbio de modo ambulante. Em constante racionalização, tanto observo as nuvens altas no céu que fazem desenhos esquisitos por entre camadas de gases diversos, como olho para postes de electricidade e choco-me comigo mesma por os equiparar a manequins: altos, magros, quase todos iguais e perigosamente fulminantes.

Nunca gostei de me deixar acompanhar por dispositivo áudio que fosse. Os entraves que neles encontro são mais do que muitos, mas o pior, mesmo, é não poder ouvir o ranger de janelas pequenas, e antigas, algures no Bairro Alto ou os suspiros de dor, e cansaço, de quem se senta a uns metros de mim no autocarro. 

Gosto sempre de inventar uma história qualquer para ambos os casos. Com certeza, as duas envolveriam, sem qualquer dúvida, momentos de terror. Não me considero uma pessoa sádica, mas a minha imaginação costuma seguir por esses caminhos. É-me sempre mais fácil imaginar cenários mórbidos e obscuros do que bonitas histórias de princesas que beijam sapos.

Apesar desta tendência se revelar ser uma prática constante entre os neurónios cansados e debilitados que possuo no cérebro, naquele dia foi impossível segui-la.

Era um casal. A palavra assusta, fere o ego dos boémios epicuristas. Mas eles não. Tamanha gentileza, delicadeza, uma suavidade éterea em dois olhares tão reconfortantes quanto a sensação de voltar ao berço e ser embalado por uma figura maternal, angelical e pura.

Ela. Agarrava-o pelo cotovelo, colocando a mão sobrante na cova profunda e acentuada das suas costas. Ele. Deixava-se guiar, confiando cegamente nos instintos do seu par.

Vestiam tweed a combinar. Se o topo do seu corpo exibia peças encarnadas, a base do corpo dele casava a cor. E entre uma encruzilhada de tecidos e cores emparelhadas, qual positivo-negativo fotográfico, o amor emanava totalmente despreocupado daquilo que o circundava.

E ainda que uns meros cinco centímetros separassem os calcanhares dela do chão, eram os sapatos que lhe davam individualidade. De cor berrante, carregada e já um pouco usada, quase me fizeram gritar: "Quando crescer, quero ser como tu" ...

Marta F. Cardoso

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